Terror noturno
Silvia Helena Cardoso


WWW Home Page

Recentemente assisti, impresssionada, em uma de minhas aulas de Neuroanatomia na Universidade da Califórnia, um vídeo que mostrava pessoas que sofriam de terrores noturnos. O terror noturno é um grave distúrbio do sono envolvendo um abrupto despertar, onde as pessoas expressam absoluto terror e agressividade contra elas próprias ou contra outras pessoas. Elas gritam, se debatem, se jogam no chão, destroem objetos e se ferem seriamente. No dia seguinte, essas pessoas acordam todas ensangüentadas, com ferimentos graves, hematomas por todo o corpo e face e - surpreendentemente - não se lembram de nada! Alguns casos são ainda mais drásticos. O filme conta o caso de um rapaz aparentemente pacífico, que se levantou da cama em sua casa de campo, atravessou um matagal escuro, entrou em outra casa, subiu as escadarias, entrou em um quarto e então..., aconteceu a tragédia, que, segundo ele, não se lembra de nada: atacou com extrema violência um casal de velhinhos que ali dormiam. Este rapaz foi levado a julgamento pelo crime brutal, mas foi considerado inocente pela corte quando foi provado que ele sofria de tal distúrbio.

As causas do terror noturno são ainda desconhecidas. Algumas teorias biológicas têm admitido uma imaturidade no sistema nervoso central como causa deste problema . Outras teorias admitem que este distúrbio está associado com alterações em fases específicas do sono. O ciclo normal do sono envolve estágios distintos, desde a sonolência até o sono profundo. O sono REM (Rapid Eye Movement), assim chamado, pois é acompanhado do movimento rápido dos olhos, é comumente associado à ocorrência dos sonhos. Durante a noite, existem vários ciclos de sono REM e não-REM. O terror noturno é diferente do pesadelo, pois este último ocorre geralmente no estágio REM, enquanto que o outro ocorre em estágios mais profundos (não REM). Stress, tensão emocional ou conflito também parecem estar relacionados com este distúrbio.

Uma das prevenções é minimizar o stress ou utilizar mecanismos que podem diminuir as reações aberrantes. Drogas benzodiazepínicas (medicamentos que inibem certos neurotransmissores no cérebro, e que são muito usados para combater depressão e outros distúrbios mentais), podem reduzir a incidência das crises, mas elas não são recomendadas para tratar o distúrbio. Dispositivos eletrônicos têm sido criados para evitar que o indivíduo saia do quarto, como um sistema eletrônico de abertura de porta que o mantém trancado no quarto durante toda a noite. Outros dispositivos também evitam maiores tragédias.Um engenheiro eletricista, vítima dessa doença, após ter quebrado sua guitarra e seu computador, e ter cortado seriamente seu braço, decidiu fazer alguma coisa. Criou um dispositivo chamado "olho elétrico". Trata-se de um feixe invisível de luz infravermelha, como aqueles usados em elevadores ou alarmes contra roubo. A via do feixe é posicionada a aproximadamente 30 cm da cama, ao nível do tórax e, quando o indivíduo senta na cama, ele interrompe o feixe, disparando um alarme bem alto e fazendo o indivíduo acordar.

É muito triste e preocupante constatar que pessoas inocentes se envolvam em sérios problemas, sejam eles físicos, emocionais e sociais, pelo acometimento de tão estranho e grave distúrbio. Embora esteja empenhando grandes esforços, a ciência ainda caminha a passos lentos na investigação destes processos. Enquanto não se descobrir um tratamento eficaz ou uma esperançosa cura, centenas de vítimas, entre eles adultos e crianças, terão que se dispor a utilizar dispositivos e medicamentos pouco recomendáveis para evitar maiores acidentes. Mas estes não evitam um grande problema: a dor e o pânico destas pessoas e de seus parentes.


Artigo publicado no jornal Correio Popular, agosto de 1996.
Copyright © Correio Popular